Angústia é o estado de quem está diante de um “afluxo incontrolável de excitações muito variadas e intensas a que é incapaz de responder” pelo menos, é o que diz o dicionário. Alma é o conjunto indissociável formado pelo corpo e o espírito humano: o pó da terra, mediante o fôlego da vida, tornou-se alma vivente, conforme o Gênesis. As angústias da alma implicam, portanto, um inevitável estado de excitamento diante de incontáveis possibilidades, tanto para o corpo quanto para o espírito: a dança da alma diante do efêmero e o eterno, o singelo e o sublime, o animal e o divino, que se entrelaçam numa unidade de mútua afetação. O que o corpo experimenta toca o espírito e o que o espírito penetra faz tremer o corpo. As angústias da alma nos jogam de um lado para o outro e não sabemos se nos basta um calmante ou uma oração, ou ambos. Não se sabe se o apelo vem da imanência ou da transcendência. Não é possível distinguir o necessário: o pão ou a providência, o aplauso ou o significado, o sexo ou o afeto. Na verdade, não sabemos sequer se uns existem sem os outros. Onde estará o afeto sem o toque, a providência sem a mesa posta, a realização sem o reconhecimento, o êxtase sem a sensação? Pode o faminto experimentar a segurança, ou o útil permanecer anônimo?
De noite, custo a pegar no sono, pois minha mente não pára, meu corpo não aquieta, meu espírito não silencia. Imagino-me andando sobre nuvens. Diante de mim, um imenso arquivo de madeira com gavetas abertas e, em cada gaveta, uma etiqueta com a inscrição de um objeto de minhas preocupações e ansiedades, sonhos, responsabilidades e amores. Há uma gaveta para minha mulher e uma para cada um dos meus filhos, minha mãe, meu trabalho, meus amigos, meu futuro, e o paradoxo do mundo estão distribuídos em gavetas que percorro lentamente até mergulhar no sono. Meu único esforço é o de fechar cuidadosamente cada gaveta, num gesto de gratidão, devoção e consagração: fechar a gaveta é entregar seu cuidado às mãos de Deus.
Assim oro todas as noites. Assim vou diminuindo a cadência do coração e descansando a alma. E durmo sem saber quais gavetas ficaram por fechar. Mas a cada manhã, com o sol, também se levanta minha alma. E com ela suas angústias. E, sobretudo, a misericórdia e a bondade de Deus, que me seguem todos os dias da vida. A alma angustiada põe o pé na estrada e retoma seu caminho até deitar-se novamente na noite seguinte, com o coração batendo acelerado, a mente rodando em velocidade incalculável e o esboço do próximo dia rabiscado na tela da madrugada. Lá estão todas as gavetas abertas novamente. E lá vou a fechar uma por uma, de novo e mais uma vez, até que as luzes se apagam. Todo dia, toda noite. Tudo jamais igual.
Fonte: IBAB
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